tendências atuais
da filosofia brasileira (2024)
natureza, linguagem, política
O caminho habitual percorrido pelas pesquisas sobre filosofia brasileira costuma levar a uma espécie de bifurcação desconcertante. Para um lado, segue-se na tendência de fazer igualar a “filosofia brasileira” à “filosofia feita no Brasil”, o que resulta em apropriações bastante duvidosas, que permitem que um evento inteiramente dedicado ao tema se concentre quase exclusivamente em discutir as obras de Aristóteles, Descartes Kant, Hegel e outros epígonos. De outro, avançamos na direção igualmente problemática de uma “busca pela brasilidade” ou de uma identidade, reificada ou performada, que tende a se confundir com uma perspectiva substancialista e de pouco fôlego historiográfico.
Os encontros desta temporada serão dedicados a discutir os equívocos envolvidos nessa denominação, as atitudes de ressentimento político que costumam deslegitimar a pesquisa nessa área – para as quais lançaremos mão de um trabalho de sociologia discursiva das instituições filosóficas atuais -, bem como pensar novas definições de categorias filosóficas – axiomáticas, linguísticas, políticas – que permitam abordar a teoria lá onde ela não parece óbvia. Para uma compreensão da disposição filosófica da literatura e de narrativas mitológicas, por exemplo, será preciso redimensionar o sentido da agência, o que envolve pensar novos modelos de subjetividade. Nesse sentido, o instrumental conceitual desenvolvido nas temporadas anteriores – a partir da leitura de Leda Maria Martins, Fred Moten, dos manifestos do Bash Back e além -, assim como o interesse pela mística e pela literatura também anteriormente avançados – através do Romantismo alemão ou de Joseph Conrad, por exemplo – nos permite chegar aos problemas da “filosofia brasileira” com um aparato analítico rigoroso ao ponto de não partir da evidência dos sujeitos, da natureza ontológica ou das formas associativas clássicas, que, em geral, estiveram, ao menos em parte, a serviço de uma série de mecanismos de silenciamento.
A filosofia brasileira talvez não exista, como querem seus detratores. Estamos dispostos, contudo, a investigar seu fantasma e as formas de assombro que ele opera em uma comunidade filosófica que, apesar de manifestar-se através de um discurso supostamente tolerante, se organiza de modo enfaticamente conservador. Isso significa, em outras palavras, levar a sério a hipótese de Guimarães Rosa em “A terceira margem do rio”: aquilo que não havia, acontecia. A temporada de 2024 do Contragrupo investigará a espessura desse acontecimento- fantasma.
.